Numa corda bamba a gente se testa, de cabeça, a todo momento. Há que ter equilíbrio quase perfeito, medidas iguais, desejos profundos.
Ninguém se enforca com corda bamba porque seus fios são trançados como se enredo, e a trama é delícia. Nenhum pardal vai querer tirar um fio da corda bamba para com ele fazer ninho, como fosse navalha. Pardal que se preza tem que ser livre, aventureiro, Vogelfrei. O pardal não tem belas plumagens, caçadores não lhe dão importância, ninguém quer tê-lo em gaiolas. Por isso ele pode dormir até mais tarde e depois cantar sem medo, sem preocupações.
Todo pardal é fora da lei: Vogelfrei. E tem duas coisas que pardal não suporta: gravata e nó na garganta. Pardal não tem formalidade, não usa uniforme, não faz mesuras, salamaleques. Só quer saber de cantar, voar e ciscar. Recusa nó na garganta, assim como gravata. Porque nó na garganta atrapalha a melodia, deixando-a triste, sem graça. Melhor seria se enforcar com as próprias cordinhas vocais.
— Se não podemos falar pra fora, falar pra quê?
O canto que não se canta se transforma em veneno.
(E o pardal, por ser livre, sabe dessas coisas).
Lorca adorava pardais, assim como eu os amo na madrugada em que me acordo, pensando neles — nos pardais e em Federico del Sagrado Corazón de Jesús Garcia Lorca.
Na verdade, esses pardais que só agora me acordam, o fazem sem querer — e pela segunda vez. A primeira vez que me acordaram foi com seu canto, e a segunda, com sua filosofia. Ou seja: nas duas fui acordado por amor. Não para que me levante: quem é capaz de acordar duas vezes já vive de pé, ao menos por dentro. Portanto, nem todo pardal é pierrot.
Mas todos são livres.
Hoje é só hoje!
Nesta manhãzinha que chama Iracy, sol brilhante em céu azul, tomo café como pão comesse, me alimento das lembranças, líquidas, delicadas, fortes, profundas. Na fumaça do café sinto-me oráculo, e vejo que a realidade é arbitrária. Tenho vontade de buscar o crânio do meu pai no cemitério, para conversarmos todo dia, aqui, em frente ao mar, tomando sol, vinho e decisões.
Escrevo, divago, e digo: os poetas, seremos eternamente incompreendidos. Porque nós vemos uma coisa e seu fundamento, e os outros só vêem a coisa e sua utilidade. Nós vemos o todo poético de um universo dançante, e os outros só vêem a parte seca de um mero processo.
Nós, os poetas, brincamos com as palavras — os brutos fazem delas uma arma.
Para nós as palavras são flores, para eles — punhal.
Edson Marques.
(do meu livro "Solidão a Mil".)
www.edson.blogspot.com
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